segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Livre Entendimento

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Habituados como estamos, por preconceitos ancestrais e por uma educação e instrução absolutamente falsas, a não ver por toda a parte senão governo, legislação e magistratura, chegamos a crer que os homens se despedaçariam como feras no dia em que a polícia deixasse de ter olhos postos em nós e que sobreviria o caos se a autoridade sossobrasse nalgum cataclismo. E sem dar por isso vamos passando ao lado de milhares de agrupamentos humanos que se constituem livremente, sem intervenção alguma da lei e que conseguem realizar coisas infinitamente superiores às que se realizam sob a tutela governamental.

Observem um jornal. As suas páginas ocupam-se exclusivamente dos atos dos governos e das intrigas políticas. Um chinês que o lesse havia de supor que na Europa coisa alguma se faz sem que um mandarim o determine. Vêem nele o que quer que seja sobre as instituições que nascem, crescem e se desenvolvem sem prescrições ministeriais ? Nada ou quase nada ! Se ainda há uma rubrica de "Casos da rua" é porque se relacionam com a polícia. Um drama de família ou um ato de revolta só serão mencionados se neles entrar a polícia.

Trezentos e cinquenta milhões de europeus amam e odeiam-se, trabalham ou vivem de seus rendimentos, gozam ou sofrem. Mas a sua vida e os seus atos permanecem ignorados pelos jornais se de algum modo os governos não intervêm...

... Mas o que nos importa não é procurar exemplos e imitá-los cegamente, exemplos que, aliás, não seriam férteis na sociedade atual. O que nos convêm é mostrar que, apesar do individualismo autoritário que nos asfixia, fica no conjunto da nossa vida uma parte vastíssima em que se trabalha apenas pelo livre entendimento - e que é muito mais fácil do que se imagina viver sem autoridade nem governo.

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O texto acima foi extraído da edição portuguesa de 1975 do livro "A Conquista do Pão" de Pietr Kropotkin (1842 - 1921).

Conforme Wikipedia:

Kropotkin foi um dos principais anarquistas da Russia e um dos defensores do que ele mesmo chamava de "comunismo libertário".

A base de tal concepção encontra-se na idéia de que o critério para o consumo (tanto de bens quanto de serviços) dos indivíduos não seja o trabalho, mas a necessidade. Kropotkin advogava assim um sistema de distribuição livre da produção, conceito este que está ligado ao raciocínio de que não é possível medir a contribuição isolada de um indivíduo na produção social, e que, portanto, uma vez realizada, toda ela deva ser desfrutada socialmente.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Piotr_Kropotkin

Um comentário:

Anami Brito disse...

Interessante ... mais na prática do nosso mundo capitalista isso fica somente na utopia. A (sociedade-nós) definimos valores aos objetos e as pessoas e "ditamos" quem pode usufruir do bem ou serviço.