sexta-feira, 22 de maio de 2009

Ser Escravo no Brasil: As Quantidades (I)

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Antes de adentrarmos no texto propriamente dito, gostaria de fazer um comentário acerca do que se entende por história quantitativa, já que será a partir dela que Katia Mattoso dá base a toda primeira parte do texto.

Primeiro gostaria de dizer que não sou contrário ao uso dos métodos quantitativos na pesquisa histórica. Mas, já na década de 60, alguns de seus críticos achavam que aquele método tornaria impessoal demais a ciência histórica, e criticavam como positivistas aqueles que desejavam uma maior precisão em seus estudos.

"A crítica dos dados estatísticos requer critérios específicos. Os dados estatísticos de populações, por exemplo, podem induzir o historiador mal advertido a erro: quando existe imprecisão, falhas de registro, desdobramentos administrativos, eles podem apresentar a primeira vista uma visão falsa da realidade"(1).

Mas todos sabemos que tanto conjecturas quanto cálculos são suspeitos de absoluta integridade. Tanto métodos estatísticos quanto intuitivos estão sujeitos a erros.

Além disto, estamos hoje na era dos computadores. Dados e mais dados, registros e mais registros podem ser catalogados da forma que nos convier. Podemos arquivar milhares e milhares de informações e encontra-las a qualquer tempo, através de qualquer segmento seu, facilitando cada vez mais a utilização de dados quantitativos, com a criação de relatórios, gráficos e textos que podem nos auxiliar na pesquisa.

Parece a mim que é com esta proposta que Katia Mattoso usa os números. Ela não os supervaloriza. Falando-nos sobre uma viagem de cinco navios, em 1625, enviados de Angola para o Brasil, onde se encontra uma taxa de mortalidade média de 47,1 %, Katia Mattoso nos dá base para crer nisto :
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"Uma taxa de mortalidade tão elevada é comum ? Essa viagem catastrófica é representativa ? ... Nota-se apenas que os mais idosos e os mais jovens parecem haver resistido à viagem, o que deixaria supor ter a morte ceifado somente os cativos adultos e pou­pado as demais faixas de idade ! Impõe-se, portanto, a maior cautela na manipulação destes testemunhos"(2).

Mais adiante mostra-nos como um pouco de bom senso e lógica matemática facilita os caminhos da pesquisa: "uma taxa de mortalidade superior a média de 20% levaria a admitir que os lucros do empreendimento ficariam comprometidos na maioria da via­gens"(3).

Sendo assim, não teríamos o tráfico de escravos para o Brasil !

Outro ponto importante em relação às quantidades é que nos colocamos diante de elementos mais paupáveis (já que vivemos numa sociedade de números e somos educados para ela). Quando disse anteriormente que Katia Mattoso lembrava Fernand Braudel era neste aspecto.

Fernand Braudel sabe que vivemos numa sociedade que necessita de elementos quantificáveis para dar mais créditos a qualquer pesquisa. Ele também sabe que estes números, além de darem maior precisão à pesquisa, nos darão também instrumen­tos a nossa imaginação.

Em seu livro "O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico", cria capítulos que nos explicam como os números possibilita­rão a identificar estruturas, elementos bastante apreciados pelos historiadores com afinidades com a Escola de Annales. Quando fala, por exemplo, das médias dos tempos de viagem através de rotas entre locais da Europa Mediterrânica :
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"Portanto, não peçamos demais a essas médias e a sua falsa simplicidade. As suas únicas vantagens ? Simplificar, falar à imaginação, permitir regressar ao passado, para além da revo­lução moderna dos transportes, de que não nos apercebemos neste momento como tudo modificou. Considera-las, é encontrar o que a perspectiva de uma viagem representava para um con­temporâneo de Filipe II"(4).

1 - GLENISSON, Jean. Introdução ao Estudo de História. Difel. 1982. p 312.

2 e 3 - MATTOSO, Katia. Ser Escravo no Brasil. Brasiliense. 1990. p 48.

4 - BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Martins Fontes. 1984. p 407.


Continua no próximo Post...

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