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Quem já ouviu falar que jornalista tem de ser neutro, objetivo, isento ?
Estas são qualidades inerentes a qualquer jornalista, segundo 99% dos manuais de faculdades e universidades que os formam.
Mas imagine uma situação como a que segue.
Um editor de um grande órgão de comunicação chama jornalistas que ali trabalham (free-lancers, estagiários, fixos) e lhes entrega uma pauta dizendo.
- Olha aqui, vocês hoje vão fazer uma reportagem sobre o porquê das cotas raciais não serem legais para o nosso país. Sejam isentos e objetivos.
Tsc, tsc, tsc...
Sentiram o drama ? E dá prá ver como é fácil direcionar o sentido de qualquer pesquisa utilizando-se da pergunta certa ?
Eu já havia falado da questão da neutralidade e isenção no jornalismo utilizando-me, como exemplo, de reportagem da Revista Época em maio de 2007.
Ali a revista falava sobre Maioridade Penal e deixava claro, descaradamente, de que lado estava.
Nesse início de abril, novamente leio as páginas da mesma revista e vejo matéria de capa sobre As Cotas: "Cotas para quê ?".
Em oito páginas branquinhas os jornalistas escolhidos para fazer a reportagem estribucham com as cotas raciais. Aquele tipo de cota para colocar mais afrodescendentes nas faculdades públicas. Muita gente acha legal e outras tantas pessoas acham improdutivo.
Usam logo de cara (na capa) um velho recurso discursivo de finalizar negativamente uma questão ("...ou cria mais problemas ?"). Mas é dentro da revista que as coisas vão ficando mais claras (ops...). O "ou" da frase na capa se transforma em "e" ("... e cria mais problemas"), e a frase deixa de ser interrogativa prá ser afirmativa.
Mas vamos deixar a semântica de lado e ver coisas mais fáceis de perceber ainda.
Página 83. Aula de oratória. Deixar o ouvinte ou leitor com pena de quem foi prejudicado. Assim ele fica do seu lado. Pegaram a história de um "funcionário da Petrobras" que tirou 14,20 pontos numa prova que valia 20 e não passou. Segundo ele próprio (provavelmente sem autenticação de veracidade da informação), seus "concorrentes" tiraram 0,25 na mesma prova e passaram no vestibular por serem negros.
Fora a questão de, com certeza, não terem ido além na pesquisa jornalística (será que os "concorrentes" passaram mesmo com 0,25 ?), quando um governo cria políticas públicas há sim deformidades. Mas são, como se diz, políticas públicas, discutidas democraticamente e implantadas conforme as necessidades que cada governo percebe serem imprescindíveis para melhor equilíbrio da sociedade. Não é para isso que deveria servir o Estado ?
Páginas 84, 85 e 86. Usa-se a força dos especialistas. Ummm... Especialistas dão credibilidade às reportagens. Procura-se, preferencialmente, especialistas que estão do seu lado... cof, cof, cof... quer dizer, que servirão para dar credibilidade à tese que você considera correta. Os jornalistas da Época acharam alguns bem manjados na mídia: Demétrio Magnoli, José Roberto Militão, Thomas Sowell. Deste último, apenas para exemplificar o enorme direcionamento de uma reportagem como esta, os jornalistas inferem que há "fortes indícios de que o sistema de cotas não mudou, na prática, a vida dos negros americanos". Ao contrário (e isso não é exposto pelos jornalistas) já tem gente por ai achando que também há "indícios" de que Barack Obama seja produto das cotas e da legislação racial implantada pelos norte-americanos a partir do final dos anos 60.
Além disso, em todas as páginas encontram-se opiniões nas quais os jornalistas da Época vão tentando minar qualquer defesa das cotas (até as cotas de "pobres" são jogadas na lama). Assim busca-se, estupidamente, referências históricas anacrônicas (ensinam sobre isso nas faculdades de jornalismo ?). Chega-se ao cúmulo de dizer que hutus e tutsis (vejam o grande filme Hotel Ruanda) viviam em paz antes dos europeus chegarem na África. E quem foi o culpado pelo genocídio de milhares de tutsis ? Ummm... As cotas implantadas pelos belgas no século XIX privilegiando os tutsis... Bah... Que forma boa de pesquisar história ao contrário.
Para uma reportagem bem menos direcionada, os jornalistas poderiam muito bem ter lido o Dossiê Especial sobre "A Diáspora Negra", da Revista História Viva, com ótimas matérias de Emília Viotti, ou Jaime Rodrigues. Ou poderiam ir mais a fundo, pesquisando livros de bons autores brasileiros (na Internet tem demais), como Katia Mattoso, João José Reis, que mostrariam sim, que, ao contrário do que conduziu as pesquisas daqueles jornalistas, houve (e ainda há) leis e regras segregacionistas no Brasil. Se não fosse assim aqueles que frequentavam os Terreiros de Candomblé no começo do século XX não seriam perseguidos pela polícia como criminosos.
Ah... o texto tá ficando grande demais para um Blog.
Termino por aqui.
Estas são qualidades inerentes a qualquer jornalista, segundo 99% dos manuais de faculdades e universidades que os formam.
Mas imagine uma situação como a que segue.
Um editor de um grande órgão de comunicação chama jornalistas que ali trabalham (free-lancers, estagiários, fixos) e lhes entrega uma pauta dizendo.
- Olha aqui, vocês hoje vão fazer uma reportagem sobre o porquê das cotas raciais não serem legais para o nosso país. Sejam isentos e objetivos.
Tsc, tsc, tsc...
Sentiram o drama ? E dá prá ver como é fácil direcionar o sentido de qualquer pesquisa utilizando-se da pergunta certa ?
Eu já havia falado da questão da neutralidade e isenção no jornalismo utilizando-me, como exemplo, de reportagem da Revista Época em maio de 2007.
Ali a revista falava sobre Maioridade Penal e deixava claro, descaradamente, de que lado estava.
Nesse início de abril, novamente leio as páginas da mesma revista e vejo matéria de capa sobre As Cotas: "Cotas para quê ?".
Em oito páginas branquinhas os jornalistas escolhidos para fazer a reportagem estribucham com as cotas raciais. Aquele tipo de cota para colocar mais afrodescendentes nas faculdades públicas. Muita gente acha legal e outras tantas pessoas acham improdutivo.
Usam logo de cara (na capa) um velho recurso discursivo de finalizar negativamente uma questão ("...ou cria mais problemas ?"). Mas é dentro da revista que as coisas vão ficando mais claras (ops...). O "ou" da frase na capa se transforma em "e" ("... e cria mais problemas"), e a frase deixa de ser interrogativa prá ser afirmativa.
Mas vamos deixar a semântica de lado e ver coisas mais fáceis de perceber ainda.
Página 83. Aula de oratória. Deixar o ouvinte ou leitor com pena de quem foi prejudicado. Assim ele fica do seu lado. Pegaram a história de um "funcionário da Petrobras" que tirou 14,20 pontos numa prova que valia 20 e não passou. Segundo ele próprio (provavelmente sem autenticação de veracidade da informação), seus "concorrentes" tiraram 0,25 na mesma prova e passaram no vestibular por serem negros.
Fora a questão de, com certeza, não terem ido além na pesquisa jornalística (será que os "concorrentes" passaram mesmo com 0,25 ?), quando um governo cria políticas públicas há sim deformidades. Mas são, como se diz, políticas públicas, discutidas democraticamente e implantadas conforme as necessidades que cada governo percebe serem imprescindíveis para melhor equilíbrio da sociedade. Não é para isso que deveria servir o Estado ?
Páginas 84, 85 e 86. Usa-se a força dos especialistas. Ummm... Especialistas dão credibilidade às reportagens. Procura-se, preferencialmente, especialistas que estão do seu lado... cof, cof, cof... quer dizer, que servirão para dar credibilidade à tese que você considera correta. Os jornalistas da Época acharam alguns bem manjados na mídia: Demétrio Magnoli, José Roberto Militão, Thomas Sowell. Deste último, apenas para exemplificar o enorme direcionamento de uma reportagem como esta, os jornalistas inferem que há "fortes indícios de que o sistema de cotas não mudou, na prática, a vida dos negros americanos". Ao contrário (e isso não é exposto pelos jornalistas) já tem gente por ai achando que também há "indícios" de que Barack Obama seja produto das cotas e da legislação racial implantada pelos norte-americanos a partir do final dos anos 60.
Além disso, em todas as páginas encontram-se opiniões nas quais os jornalistas da Época vão tentando minar qualquer defesa das cotas (até as cotas de "pobres" são jogadas na lama). Assim busca-se, estupidamente, referências históricas anacrônicas (ensinam sobre isso nas faculdades de jornalismo ?). Chega-se ao cúmulo de dizer que hutus e tutsis (vejam o grande filme Hotel Ruanda) viviam em paz antes dos europeus chegarem na África. E quem foi o culpado pelo genocídio de milhares de tutsis ? Ummm... As cotas implantadas pelos belgas no século XIX privilegiando os tutsis... Bah... Que forma boa de pesquisar história ao contrário.
Para uma reportagem bem menos direcionada, os jornalistas poderiam muito bem ter lido o Dossiê Especial sobre "A Diáspora Negra", da Revista História Viva, com ótimas matérias de Emília Viotti, ou Jaime Rodrigues. Ou poderiam ir mais a fundo, pesquisando livros de bons autores brasileiros (na Internet tem demais), como Katia Mattoso, João José Reis, que mostrariam sim, que, ao contrário do que conduziu as pesquisas daqueles jornalistas, houve (e ainda há) leis e regras segregacionistas no Brasil. Se não fosse assim aqueles que frequentavam os Terreiros de Candomblé no começo do século XX não seriam perseguidos pela polícia como criminosos.
Ah... o texto tá ficando grande demais para um Blog.
Termino por aqui.
C.B.
7 comentários:
... para os que estão no poder, é crucial controlar, em primeiro lugar, o discurso. Pois o discurso controla mentes e mentes controlam ação. E isto está demonstrado nas formas de abuso de poder - manipulação, doutrinação e desinformação - que resultam em desigualdade e injustiça sociais.
consultem o livro “DISCURSO E PODER”, de Teun van Dijk
Eh claro que a elite que governa este pais(que por obra do acaso eh branca)jamais concordarah em perder as suas(eh isso mesmo, eles acham que o Estado eh seu e existe exclusivamente para beneficia-los) vagas para estudantes negros despreparados. Que absurdo esse negocio de cotas, que coisa mais racista...
comentario na revista veja :
Fabiana Bruna | MG / Belo Horizonte | 13/04/2009 14:00
Deu nojo de ler essa matéria
È essa a vontade que sinto quando leio uma baboseira dessas : Vomitar! Antes de assinarem uma máteria, com um assunto tão delicado, por favor estudem senhores : Leandro Loyola, Nelito Fernandes, Margarida Telles e Francine Lima!!! Façam uma aula sobre a historia do brasil, veja as lutas e conquistas histórias do povo brasileiro afro-descendente Leiam WEB du bois, Paul Gilroy, Nietzsche.... E, assim, quem sabe, da próxima vez, consigam tratar esse assunto por uma ótica um pouco mais humanista e menos preconceituosa, onde a minoria da população afrodescendente brasileira de 50%, não tenha que derramar lágrimas ao conquistarem um lugar na universidade, o que nos é de direto, e fazer o Lugão da classe média- alta, agora quase baixa, ganhar menos que os seus coleguinhas engenheiros! Ah tenha santa paciência, o duro não é saber que tem gente que escreve uma baboseira dessas e sim, ter revista que publique!!!
quem está no poder vai ceder de boa vontade sem contra atacar ??? Essa reação é muito normal a meu ver. Eu sinceramente acho que a a política de cotas não é a melhor solução, mas é o que temos para reparação a curto prazo, então que seja !!! Esse link sobre Obama (tenho lá minhas ressalvas quando se trata dele) ter entrado pela política de cotas estadunidense reforça o que está supracitado
Discussão sobre cotas é uma cortina de fumaça para o racismo e para a justiça social, nesse caso baseada no príncípio de equidade.
Mas, não é nada não! Logo haverá uma elite NEGRA E ÍNDIA. Sim! ÍNDIA também!!! Apesar de nunca serem mencionados, estes sem noção dos peles vermelhas.
Então o triunvirato estará fechado: ELITE de NEGROS, ÍNDIOS E BRANOS, todos explorando aos seus dessemelhantes. A história do Brasil, não é só do Brasil, é dos países que colonizaram esta joça magnífica. Mas ninguém, absolutamente ninguém, ousou levantar o brado retumbante contra os superiores seres conquistadores e escravagistas, repito, em ordem histórica de exploração agora, de ÍNDIOS E NEGROS, e depois dos PARDOS, que NÃO SÃO NEGROS, a não ser que haja alguma lei eugênica onde o ser negro é "mais mió" que o ser de ÍNDIO e BRANCO.
Já que a história e a condição social são balizadores que justificam as cotas e não uma revolta social, ou revoulução social, ou reforma educacional consistente e séria, então: É o estado Brasileiro o responsável pela escravidão no lugar que nem Brasil era? No quisito social e presente, é o fato de ser negro que impede a entrada na UNIVERSIDADE Estatal ou a péssima qualidade da educação básica aliada a uma vida miserável que todos os trabalhadores, TODOS, foram presenteados séculos e séculos?
Pois bem, há latifúndio no Brasil, o MST, pede cotas de terras? Não, quer a reforma agrária, isto é mais digno e legítimo para mim. Pelo menos revolcuionam de baixo para cima e não de cima para baixo. Para maiores aprofundamentos seria interessante ver a trajetória e atualidade do Movimento Zapatista no México.
Há sim. Haverão cotas, há cotas. O Estado, este Governo e a sociedade fascistóide já concordam, e mais uma vez, a política diplomática portuguesa perder peões para dá o cheque mate, manter as coisas como estão. Continua.
Pelo que li acima, achou que vou apanhar da patrulha, mas vamos lá:
Entendo que essa questão precisa ser tratada mais com o raciocínio que com a emoção!
A lógica me leva a achar que alguém que não entraria em uma universidade sem o auxílio das cotas vai ter mais dificuldades para acompanhar o curso que alguém que entraria sem as cotas.
A mesma lógica me faz pensar que o conhecimento pré-existente, requerido para a aprovação sem cotas, se fosse efetivamente necessário, iria precisar ser adquirido dentro da universidade. Assim, professores que deveriam transmitir conteúdos assentados sobre a base do segundo grau, ou tocariam o curso em frente e reprovariam quem não pudesse acompanhar, ou tentariam remendar a base e não conseguiriam cumprir os seus programas ...
A se repetir o que aconteceu com o ensino público fundamental, com o fim dos exames de admissão ao ginásio, vamos dar acesso à universidade pública a pessoas de baixa renda - não admito raça diferente da humana - e piorar, gradativamente, essa universidade, até avacalharmos de vez aquela que é, praticamente, a única fonte de produção científica do pais.
E o que fazer?
A lógica, ainda ela, não me permite ver sentido em ter um aluno egresso do Anchieta ou do Vieira, onde seus pais pagavam mensalidades de cerca de mil reais, estudando gratuitamente em uma universidade pública, enquanto diversos egressos do ensino público pagam mensalidades em universadades privadas.
Entendo que o estudante universitário deveria pagar uma mensalidade igual à media do que pagava nos três anos do segundo grau, tivesse ele sido cursado no ensino público ou no ensino privado. Assim, os que tivessem cursado todo o segundo grau no ensino público nada pagariam, nem em universidades públicas, nem em universidades privadas (com bolsas propiciadas pelo Estado), enquanto os demais pagariam o valor médio atualizado, quer nas públicas, quer nas privadas (em que suas mensalidades seriam complementadas pelo Estado, se superiores à média).
O eventual excedente de recursos gerado por esse sistema seria totalmente empregado no ensino público fundamental, que, acredito, passaria, após algum tempo, a formar seres humanos habilitados a disputar vagas em condições de igualdade, sem necessidade de cotas
Sensacional a sua análise! É ridículo essas matérias que a mídia golpista publica sobre as cotas. Fica claro que o objetivo deles é derrubar qualquer posição favorável às cotas!!
Parabéns!!!!!
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