quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Marginais dentro das margens

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A julgar pela maioria das publicações sobre o tema, a história da imprensa alternativa no Brasil tem marcos bem definidos. A simples menção ao termo “imprensa alternativa” (ou “marginal”, “independente”, “nanica”, além de outros rótulos) provoca, na mente dos que se interessam pelo assunto, rápidas associações. De bate-pronto, surgem nomes como “O Pasquim”, “Movimento” e “Opinião”, que formam, digamos, uma Santíssima Trindade do universo alternativo.

De fato, não há como negar a importância desses símbolos de resistência. “O Pasquim”, ainda hoje, é referência de um jornalismo criativo, debochado, irreverente e combativo, reunindo estrelas de primeira grandeza em seu time de redatores. Dono de grandes tiragens (em torno de 250 mil exemplares nos áureos tempos), o sucesso do periódico (sempre relativo, é bom sublinhar, pois era leitura restrita a camadas médias urbanas) justificava a patrulha da censura sob seus calcanhares. Já “Opinião” e “Movimento” atraíam as moscas de coturno devido às ligações de seus redatores com grupos marxistas, que reuniam a maior parte dos integrantes das esquerdas (também diminutas em termos relativos, já que a maioria da população estava alienada pelo “milagre” econômico dos milicos).

Mas assumir como absoluto o protagonismo de alguns veículos da mídia alternativa nos anos de ditadura (1964-1985) pode encobrir os diversos fluxos que tornaram viva (e ativa) a imprensa marginal no Brasil. Nesse sentido, muitos autores (alguns deles envolvidos com publicações independentes da época) construíram visões parciais sobre o tema, deixando de lado muita coisa interessante.

Também entra em jogo a própria identificação política do pesquisador. A história das esquerdas no Brasil ainda é muito viciada por uma visão marxista dessa própria história, que tende a destacar grupos dessa orientação. Aos que desejam descortinar as emaranhadas redes da imprensa alternativa (foram muitos os títulos lançados e muitas tendências fervilhando), cabe agitar as brasas das experiências deixadas de lado pelas principais correntes dessa historiografia. Em outras palavras, ainda há margens dentro dos estudos das mídias marginais.

O alternativo “O Inimigo do Rei”, por exemplo, é emblemático demais para ser relegado ao esquecimento (e muitos livros sobre imprensa alternativa não chegam nem a citá-lo). Um jornal independente que começa a ser publicado em 1977 e chega (com breves hiatos) ao ano de 1988, totalizando 11 anos de atividade, é bastante significativo para as experiências alternativas, que, em geral, duravam muito pouco. 

A rede informal de distribuidores, as sacadas na linguagem, os temas polêmicos sobre comportamento e sexualidade e, sobretudo, a renovação do pensamento anarquista brasileiro, unindo velhas e novas gerações de militantes: tudo isso é louvável e merece ser lembrado. Lembrança não para constar em museus, mas para ensejar novas experiências de mídias marginais (no papel ou na Internet). Pois, se os estudiosos elegeram a época da ditadura como o supra-sumo da imprensa alternativa brasileira, o ímpeto para gerar contra-informações ainda está aí (como esteve para os anarquistas do início do século XX, que produziram muitos, mas muitos jornais mesmo). Mas isso é papo para outros textos...

Vida longa às mídias rebeldes!

João Henrique Oliveira

3 comentários:

Diogo disse...

e vida curta ao rei

Anônimo disse...

BUENAVENTURA DURRUTI:

"A burguesia pode destruir e estragar seu próprio mundo antes de deixar o estágio da história. Mas nós carregamos um novo mundo em nossos corações."

Anônimo disse...

Pierre Clastres:

“Falar é antes de tudo deter o poder de falar. Ou, ainda, o exercício do poder assegura o domínio da palavra: só os senhores podem falar. Quanto aos súditos, estão submetidos ao silêncio do respeito, da veneração ou do terror. Palavra e poder mantêm relacionamentos tais que o desejo de um se realiza na conquista do outro. Príncipe, déspota ou chefe de Estado, o homem de poder é sempre não somente o homem que fala, mas a única fonte de palavra legítima: palavra empobrecida, palavra certamente pobre, mas rica em eficiência, pois ela se chama ordem e não deseja senão a obediência do executante. Extremos inertes cada um por si, poder e palavra não subsistem senão um no outro, cada um deles é substância do outro e a permanência de sua dupla, se parece transcender a história, alimenta todavia seu movimento: há acontecimento histórico, quando, abolido aquilo que os separa e assim os condena à inexistência, poder e palavra se estabelecem no próprio ato se seu reencontro. Toda tomada de poder é também uma aquisição de palavra.”