sábado, 10 de janeiro de 2009

A Lição do Abutre

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Meu filho – disse o velho abutre – pois que tendes tido diante de vossos olhos os meus exemplos, menos necessidade havereis de meus conselhos.

Vistes-me arrebatar na quinta o pássaro doméstico, a lebre na moita, e no pasto o cabrito. Sabeis agora como cravar as garras e como librar o vôo, carregando a presa. Deveis, porém, estar lembrando de um alimento saborosíssimo: com carne de gente já muitas vezes vos tenho regalado.

Ensinai-nos - disseram os abutrinhos – onde é que se encontra gente e como reconhecê-la: sua carne constitui, por certo, o natural sustento dos abutres. Por que nunca trouxestes em vossa garra um homem ao nosso ninho ?

É que ele pesa demasiado, respondeu o pai; e, quando o achamos, tudo o que podemos fazer consiste em rasgar-lhe a carne em pedacinhos e sobre a terra deixar-lhe os ossos.

Já que o homem é tão grande, replicaram os filhotes, como arranjar para matá-lo ? Tendes medo do lobo e do urso; por onde hão de ser os abutres superiores ao homem ? Será este mais indefeso do que o cordeiro ?

Não temos a força do homem, respondeu o pai, e duvido, algumas vezes, que tenhamos tanta astúcia. Também da sua carne raro poderiam repastar-se os abutres, se a natureza, que o tem destinado às nossas necessidades, não o dotasse de uma estranha ferocidade, que eu jamais observei nos outros animais terrestres.

Acertam, frequentemente, de encontrar-se dois rebanhos de homens que, estrepitosamente, se entrechocam, enchendo o ar de fumo. Em ouvindo esse estrondo, vendo esse fogo, e os coriscos a ziguezaguear na planície, voai para ali, com o mais célere impulso d´asas; porque, então, os homens uns aos outros se estarão destroçando.

Achareis a terra a fumegar de sangue, e recoberta de cadáveres, dos quais muitos palpitantes e talhados, como que por encomenda, para o uso dos abutres.

Silvio de Almeida
Jornal “Guerra Sociale”, São Paulo, Fevereiro de 1917
Encontrado no Livro Contos Anarquistas, Edt. Brasiliense, 1985.

Um comentário:

Anônimo disse...

... aqui (brasil) ou acolá (oriente médio), confirma-se a antiga máxima: o homem lobo do próprio homem!